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Imprensa

Diálogo público do TCU debate projeto de lei que pode fragilizar o controle

O Tribunal de Contas da União promoveu nesta segunda (23) a “Discussão do Projeto de Lei 7.448/2017”. Na perspectiva dos órgãos de controle, caso seja sancionada, a lei poderá ter forte impacto negativo. O assunto é urgente, pois a proposição está com o presidente da República para sanção ou veto, com prazo final nesta quarta (25)
Por Secom TCU
24/04/2018

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) promoveu nesta segunda-feira (23) o diálogo público “Discussão do Projeto de Lei (PL) 7.448/2017”. O debate foi intenso, com muitas divergências, diversos pontos a favor e contrários à proposição. Na perspectiva do TCU e de outros órgãos de controle, caso seja sancionada, a lei poderá ter forte impacto negativo, prejudicando, principalmente, a fiscalização e a punição da fraude e da corrupção na administração pública. O assunto é relevante e urgente, uma vez que que a matéria não foi discutida a fundo pela sociedade nem pelos órgãos de controle. Principalmente tendo em vista que o projeto está nas mãos do presidente da República, Michel Temer, para sanção ou veto. A data limite para esta deliberação executiva é nesta quarta-feira (25). 

O diálogo público ocorreu na sede do TCU, em Brasília (DF), foi muito concorrido. Não à toa o Auditório Ministro Pereira Lira estava lotado, com dezenas de pessoas de pé. O tema mexe com interesses divergentes e suscita pontos de vista distintos, mas que, inicialmente, convergiriam para a necessidade de que deve haver segurança jurídica. Mas não necessariamente nos termos da proposição em debate. 

As dissonâncias já se apresentaram na abertura dos trabalhos, com mesa composta pelo presidente e pelo vice-presidente do TCU, ministros Raimundo Carreiro e José Mucio Monteiro, respectivamente, a procuradora-geral do Ministério Público junto ao TCU, Cristina Machado, a procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, a advogada-geral da União (AGU), Grace Mendonça, o ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner de Campos Rosário, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamim, e pela presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), Anilcéia Machado. 

O presidente do TCU começou enfatizando as regras dos trabalhos, entre elas, que deveriam ser evitadas visões favoráveis ou contrárias, sendo apresentados apenas pontos específicos que comprovassem por que o projeto é factível ou não. Uma das primeiras ressalvas de Raimundo Carreiro, rebatendo informações de que existiram debates acerca do PL, foi que, “no âmbito do Senado Federal, houve apenas uma audiência com a participação de somente um representante da AGU, outro do Ministério da Fazenda e outro da Confederação Nacional de Municípios”. 

Segundo o ministro-presidente do TCU, “na Câmara dos Deputados, não foi realizada sequer uma única audiência, pois o projeto de lei foi aprovado nas comissões em caráter conclusivo sem a realização de qualquer audiência pública e sem a sua submissão ao Plenário daquela Casa legislativa”. Carreiro também foi enfático: “Queremos o debate direto, aberto, público e fundamentado, nos termos da liberdade absoluta, pois temos, sim, o desejo da reflexão democrática, o que só se consegue com a participação de todos”.  

Risco de retrocesso 

Em seguida, tomou a palavra a ministra Grace Mendonça. Breve em sua fala, declarou: “O assunto está sob nosso exame, estamos analisando e nos debruçando em torno dos artigos que foram inseridos no projeto. Daí a dificuldade muitas vezes nossa, em um momento como esse, de expor uma posição fechada na medida em que ainda estamos analisando e avaliando essa proposta”. 

Depois, com expressões contundentes contrárias ao PL, e pedido de veto completo, foi a vez da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. “Há o risco do retrocesso, e a expectativa que temos no Brasil é que avancemos sempre contra a corrupção, por um País mais honesto”, destacou. E ainda: “O que fica é a sensação de que, à guisa de tornar mais segura a atuação do gestor público, há a possibilidade de que nós tornemos mais insegura a gestão do patrimônio público”. 

Para ela, a afirmativa de que a proposta garante segurança jurídica é um argumento que precisa ser avaliado: “É preciso avaliar em que medida esse projeto está concorrendo para tornar o gestor público mais leniente, flexível no trato da coisa pública, ou ele vem exatamente no sentido oposto do que estamos trilhando, sobretudo nos anos mais recentes, de ter o País livre de corrupção”. Ao finalizar, ressaltou que o projeto pode promover a impunidade ao impedir a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). 

Também de forma breve, o ministro Wagner Rosário colocou o que, para ele, é a grande discussão: “Nós não podemos tratar o gestor como corrupto, nem o corrupto como gestor”. Ele pontua em seguida: “Como termos uma norma que ao mesmo tempo permita o combate implacável da corrupção e que dê garantia aos gestores corretos, para que possam trabalhar com segurança?” 

Onde está a improbidade administrativa? 

A proposição pretende alterar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. E foi principalmente nesse ponto que se ateve o ministro do STJ Herman Benjamin. “É possível, em abril de 2018, nós atualizarmos a Lei de Introdução para incluir normas de ‘sobredireito’, sobre o direito público, e não dizer uma palavra sobre improbidade administrativa?”, questiona. Sobredireito é a norma que disciplina a emissão e aplicação de outras normas jurídicas. 

E prosseguiu. “O primeiro artigo incluído no projeto diz o seguinte: ‘Nas esferas administrativas controladoras e judicial...’, portanto é uma lei que se dirige aos juízes, e eu posso lhes afirmar que nenhum juiz brasileiro – que eu saiba, porque eu perguntei à Associação dos Magistrados Brasileiros, à Associação dos Juízes Federais – participou seja da elaboração, seja para saber como é que essas questões estavam e estão sendo tratadas na jurisdição de uma maneira geral”. 

Benjamin asseverou que o objetivo, segurança jurídica, é nobre, “pois ninguém quer insegurança jurídica”, mas que se quer, também, “que quem pratica atentados contra a segurança jurídica não se sinta seguro”. A partir daí, passou a citar dispositivos, muitos dos quais, para ele, desmerecem o caráter de sobredireito da Lei de Introdução.

 

Diálogo Público - discussão sobre o PL 74482017

 

Dolo ou erro grosseiro 

Um dos pontos mais polêmicos do projeto de lei é o artigo 28, que diz que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. Sobre ele, o ministro do STJ, antes de mais nada, diz que deveria estar na Lei de Improbidade, mas que essa não é a principal gravidade, que vem da utilização de uma expressão que não é própria do direito em qualquer disciplina jurídica hoje do Brasil atual: “Não há mais ninguém entre os civilistas que defenda a ideia de gradação de culpa”. 

O ministro questionou a inexistência do termo interesse público no texto do projeto e a existência do termo interesse geral ou, “pior”, interesses gerais. “Esta lei não menciona interesse público nenhuma vez, ao contrário, inventa uma outra categoria, e esta é uma lei que se propõe a ser contra os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais”. E conclui: “Nós não podemos a pretexto de atribuir segurança jurídica enfraquecer e criar insegurança jurídica para todas as normas que protegem a probidade administrativa”. 

A procuradora-geral Cristina Machado e a presidente do TCDF encerraram as apresentações da mesa. Machado também enfatizou o direito indeterminado existente em vários pontos, mas principalmente na expressão “erro grosseiro”. Para a procuradora, “a mudança legislativa, embora possua o mérito de buscar promover a democratização da gestão pública, definitivamente não atingiu esse objetivo e apresenta dispositivos que certamente comprometerão a atuação dos órgãos de controle”. 

Sobre o debate: pontos de vista  

O medo comanda 

A segunda parte do diálogo público contou com a participação de juristas, professores e membros da sociedade civil. Ao final, o espaço foi aberto a quem quisesse falar. O primeiro a se apresentar foi o presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Francisco Gaetani, que, apesar de sua simpatia pelo projeto, questionou: “Como um projeto tramita na surdina por três anos?” 

Gaetani pautou sua fala no fato de o Executivo não ter acompanhado o processo de profissionalização dos órgãos de controle. “Não estão ainda no século XXI, alguns estão no século XX e outros até no XIX”, criticou ao falar da situação dos ministérios e de órgãos da administração pública federal. “A discussão do controle substituiu a discussão de desenvolvimento de capacidades e execução das ações de governo”. Assim, o País estaria pagando o preço por não terem sido encaminhadas reformas que deveriam ter sido feitas há muitos anos. 

Para ele, do ponto de vista dos gestores, é o medo que comanda. “O medo tornou-se regra na administração pública”. Explica, ainda, que “ou vamos construir isso juntos (as mudanças necessárias) ou não vamos. O TCU sozinho, ou só o Executivo, só o Legislativo, não adianta. Temos um problema de governabilidade conjunto. E vamos ter que construir isso com base no diálogo”. Sob seu ponto de vista, não é o PL que vai dizer o que vai acontecer. “É a dinâmica do TCU, do Executivo, da AGU que vai dizer”. 

Projeto pernicioso 

Já o procurador do Ministério Público junto ao TCU e presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), Júlio Marcelo de Oliveira, disse estar defendendo “o veto integral e imediato reenvio ao Congresso Nacional” do projeto de lei. De acordo com ele, a proposição “traz um efeito colateral de proteger o ato ilegalmente constituído e o agente público que tenha praticado, ainda que com uma culpa grave”. Assim, essas duas vertentes do PL são o que fazem dele “um projeto pernicioso para a sociedade”. 

Júlio Marcelo de Oliveira criticou os pontos de vista que dizem que o controle externo atrapalha o desenvolvimento do País, a questão da “hipertrofia do controle” ou do dito “apagão da caneta”, muitas vezes citado durante o debate, e citou o exemplo da Petrobras. 

Ele exemplificou que a “Petrobras, enquanto resistiu bravamente ao controle do TCU, com mandados de segurança seguidos no Supremo Tribunal Federal para fazer valer o seu regulamento de licitações, enquanto retardava a entrega de informações e dificultava ao máximo as auditorias do TCU, se envolveu no maior escândalo de corrupção do mundo”. Mas que agora “está realizando um programa de desinvestimentos extremamente agressivos com extrema agilidade e está devolvendo a credibilidade à companhia, está trazendo a valorização às suas ações “. 

Utilidade e riscos dos PL

“Não se trata de combater, nem de longe, o controle”, proferiu o advogado, jurista e ex-professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marçal Justen Filho. 

Ele criticou duramente a posição de quem diz que não ter havido debates significaria um golpe contra o controle: “Por um motivo, sabe-se lá qual, no processo administrativo não foram chamados o Tribunal de Contas e os órgãos de controle a participar, mas isso não foi intencional, digamos assim, visando destruir o controle. Foi certamente visando estabelecer mecanismos objetivos que sejam inclusive reflexo da jurisprudência mansa e pacífica do TCU”. 

Porém, boa parte de sua apresentação foi sobre teoria do Direito, aspecto sobre o qual o consultor Jurídico do TCU, Odilon Cavallari de Oliveira, disse concordar com quase tudo o que disse o professor Justen Filho. No entanto, o consultor enfatizou que não se tratava ali dessa discussão. Por isso, disse ter “o ônus, a tarefa de, lamentavelmente, discordar”, pois o debate tratava do PL 7448/2017: “O que se discute aqui é a utilidade e os riscos das soluções oferecidas pelo projeto”. 

E questionou: “O que temos hoje no ordenamento jurídico já não é o suficiente?” Em seguida falou do artigo 20 da proposição, que diz que o órgão julgador precisa indicar as consequências práticas de suas decisões, ponto também citado pelo jurista. “Até aí estamos de acordo e o TCU faz isso há tempos. O problema é a parte final: ‘em face das possíveis alternativas’. Ora, diz o Direito que o que não está nos autos não está no mundo”. 

Odilon Cavallari de Oliveira ressalta que “quem tem que examinar as alternativas entre todas as existentes é o administrador”, que o julgador fundamenta a sua decisão, mas não tem o dever de fazer uma análise tão ampla quanto tem o administrador público, até porque não conhece bem a sua realidade. 

Oliveira pontuou o que considera os principais problemas do PL: não foi realizada audiência pública; são usados valores abstratos; e não foram buscadas soluções consensuais, sendo que “os órgãos de controle foram alijados da discussão”. Ele assegura que o texto dá margem a todo tipo de interpretação e, em relação ao artigo 25, é categórico: “é inconstitucional”, mas não somente ele.

Inútil ou inconstitucional? 

O doutor em Direito e procurador da República em Campinas (SP), Edilson Vitorelli, começou a sua apresentação falando do momento político por que passa o Brasil, pois, para ele, é a primeira vez que o País discute corrupção e também é a primeira vez que os brasileiros sabem quais são os ministros do STF, por exemplo, e não os nomes dos jogadores da seleção brasileira. Vitorelli fundamentou a sua fala em quatro pontos. O primeiro é “um trecho que diz que o Brasil necessita de mais investimentos e que isso depende de segurança jurídica, previsibilidade e transparência”. 

Diante disso, o procurador conta que foi ao projeto verificar se ele proporciona esses valores. “Em 11 artigos esse projeto utiliza 39 conceitos jurídicos indeterminados”. Entre eles, citou: valores jurídicos abstratos, consequências práticas, adequação da medida, possíveis alternativas, interesses gerais, peculiaridades do caso, natureza e gravidade da infração, quando indispensável, orientações gerais, interpretação razoável, entre outras.   

Vitorelli não tem dúvidas: “O que se quis aqui foi excluir a responsabilidade por culpa, certo? Como ninguém sabe o que é erro grosseiro, o que se quis foi manter a responsabilidade apenas por dolo”. Sobre a afirmação de que há erros no controle, questiona: “Por isso vamos acabar com o controle?” Seu entendimento é que se deve, sim, procurar onde estão os problemas e saná-los. 

Na mesma linha, argumenta que ou o projeto é inútil ou é inconstitucional. “Se for apenas para discutir o que o administrador trouxe aos autos, é inútil, pois o CPC (Código de Processo Civil) já resolveu isso; se for para dizer que o juiz não pode decidir a menos que debata fundamentos que não estão nos autos, e a menos que se baseie em normas que não são abstratas, então esse projeto é inconstitucional”, conclui. 

Quem finalizou as apresentações foi o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, que teceu críticas gerais sobre o andamento das discussões. “Faltam estudos sistemáticos que embasem e para que tenhamos uma visão do todo”, analisa. Para ele, todos têm seus pontos de vista, que são reais, válidos, mas são inúmeras visões parciais. Nesse sentido, o PL teria ficado pela metade do caminho, pois não houve debates, não foi aberto espaço para que todos participassem, para que houvesse essa visão do todo.

Histórico do projeto de lei

Originariamente apresentado no Senado Federal (PLS 349/2015), pelo senador Antonio Anastasia (MG), por onde tramitou e recebeu aprovação terminativa (que dispensa a análise do Plenário, a princípio), a proposição foi remetida à Câmara dos Deputados, onde foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em 24 de outubro de 2017, em caráter conclusivo (também sem votação em plenário). No entanto, foi interposto um recurso ao Plenário, em 1º de novembro de 2017, contra a apreciação conclusiva das Comissões sobre o PL, o que possibilitaria o aprofundamento do debate. Mas esse recurso foi retirado em 15 de março de 2018 e, assim, o PL saiu da CCJ direto para a sanção ou veto do presidente da República. Para o ministro-substituto Marcos Bemquerer, todos foram surpreendidos com a tramitação rápida do projeto de lei.

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