16 – Inocêncio Serzedello Corrêa
Sentinela da República

“Em nome do governo, mais ainda em nome da República, que não desaparece com os governos, agradeço a tão prestantes cidadãos por terem aceitado as nomeações e para o bem da República, moralidade da administração, exato cumprimento do orçamento e economia nos dinheiros públicos, declaro instalado o Tribunal de Contas.”
Innocêncio Serzedello Corrêa
O General Inocêncio Serzedello Corrêa nasceu em Belém do Pará, no dia 16 de junho de 1858. Seus pais eram Ambrósio Pinheiro Corrêa e Carolina Serzedello Corrêa. Aos 11 anos, perdeu o pai, o que foi um duro golpe para a família. Após algum tempo, ele conseguiu autorização para estudar no Seminário Menor de Santo Antônio, com a ajuda do Cônego Andrade Muniz. Com apoio do seu padrinho, Leitão da Cunha, completou os estudos primários e, em 1876, entrou para a Escola Militar da Corte, mostrando disciplina e dedicação. Naquela época, essa escola era considerada o epicentro da identidade nacional.
Conhecida como a Escola Militar de Benjamin Constant, era famosa por suas tradições rigorosas, mas também por sua preocupação com a formação dos futuros oficiais, também chamados de “os moços da Praia Vermelha”. Foi lá que o jovem Serzedello Corrêa se destacou não só como aluno, mas também como instrutor, tornando-se uma figura importante nos movimentos abolicionista e republicano.
Carreira militar: Até 1887, o Exército brasileiro tinha a responsabilidade de perseguir e capturar os escravos que fugiam. Porém, Serzedello Corrêa, engajado na causa da abolição, juntamente com Jaime Bernardo, redigiu um documento protestando contra a escravidão.
Carreira acadêmica: Serzedello Corrêa era detentor do curso de Engenharia militar pelo regulamento de 1874, além de possuir doutorado em Matemática e Ciências Físicas, no qual se destacou notavelmente. Esse reconhecimento o levou a integrar o Estado-Maior de 1ª Classe do Exército brasileiro, e logo foi promovido a capitão do Corpo de Engenharia.
Sua relação com Benjamin Constant, renomado líder intelectual e militar, foi marcada por uma significativa proximidade. Destacou-se tanto como aluno quanto como professor, tornando-se um dos principais discípulos de Constant. O encontro decisivo entre os dois ocorreu durante uma prova de mecânica racional, na qual Serzedello Corrêa impressionou o mestre com sua brilhante explanação. Tamanha foi a admiração de Constant que ele decretou um feriado na escola em homenagem à aula prova de Serzedello Corrêa.
Serzedello Corrêa foi indicado pela congregação da Escola Militar para o cargo de professor auxiliar de ensino superior. Seu desempenho exemplar lhe rendeu a nomeação, sem necessidade de concurso, para o cargo de catedrático de Biologia na Escola Superior de Guerra, diretamente pelo imperador Dom Pedro II. O elogio do monarca após uma de suas aulas também lhe valeu uma menção especial na ordem do dia e um gabinete na instituição, além de sua nomeação como secretário da Escola Militar.
Serzedello Corrêa desempenhou um papel importante como propagandista do movimento republicano, tanto na Escola Militar quanto nos círculos militares e clubes da época. No dia 15 de novembro de 1889, sob o comando de Benjamin Constant e Sólon Ribeiro, Serzedello Corrêa participou da marcha das tropas revolucionárias em direção ao Campo de Santana, no Centro do Rio de Janeiro.
Após a chegada das tropas ao Campo de Santana, o marechal Deodoro da Fonseca assumiu a liderança e as colocou em posição de combate em frente ao Quartel-General, sendo admitido por Floriano Peixoto. Serzedello Corrêa esteve ao lado de Benjamin Constant quando o Visconde do Rio Preto entregou o governo brasileiro ao marechal.

República: Serzedello Corrêa desempenhou um papel multifacetado e impactante ao longo de sua trajetória. Nomeado secretário do Ministério da Guerra, assumiu a missão de elaborar a proposta de organização das escolas militares. Em seguida, em 16 de agosto de 1890, foi convocado para governar o estado do Paraná, acumulando temporariamente essa função com a de comandante das armas.
No mesmo ano, já promovido a major, dirigiu-se ao tenente-coronel Benjamin Constant, defendendo que o hino de Francisco Manuel da Silva e Joaquim Osório Duque Estrada, amplamente reconhecido e celebrado pelo povo brasileiro, não fosse condenado, mas sim perpetuado. Sua argumentação foi acatada por Benjamin Constant, que transformou a composição no Hino Nacional brasileiro.
Em 1890, Serzedello Corrêa foi eleito deputado à Constituinte de 1891 e à 1ª legislatura do Congresso Nacional pelo Pará, abrindo mão do mandato em 1892 para assumir o cargo de ministro do Exterior no governo Floriano Peixoto. Posteriormente, ocupou também as pastas da Agricultura e Fazenda.
Em 23 de junho de 1892 Serzedello foi ocupar a Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 30 de agosto passou a acumular a secretaria com o Ministério da Fazenda, para o qual Floriano o nomeou interinamente em substituição a Rodrigues Alves. Em novembro, a Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas foi integrada ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, passando a fazer parte desse novo ministério. Assumindo o cargo de secretário e ministro responsável pelas obras públicas, Serzedello Corrêa supervisionou a conclusão das obras do Porto de Santos e a reforma da Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 17 de dezembro, ele deixou o Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas para ser efetivado como ministro da Fazenda.
À frente do Ministério da Fazenda, Serzedello Corrêa liderou uma importante reforma bancária, que resultou na fusão dos bancos da República e do Brasil. Logo em seguida, iniciou uma campanha incisiva para a instalação do Tribunal de Contas. Graças aos esforços conjuntos de Serzedello Corrêa e Rui Barbosa, o Tribunal foi instalado em 17 de janeiro de 1893. Na primeira reunião, estavam presentes não apenas Serzedello Corrêa, mas também o presidente do Tribunal de Contas, Manuel Francisco Correia, os diretores José da Cunha Vale, Francisco Augusto de Lima e Silva, José Inácio Ewerton de Almeida, e o representante do Ministério Público, Dídimo Agapito da Veiga Júnior. Poucos meses depois, no final de abril, Serzedello Corrêa solicitou sua exoneração do ministério devido a desentendimentos com o presidente Floriano Peixoto.
“Servi o Marechal com carinho e dedicação na Pasta da Justiça, do Exterior, da Viação e da Fazenda. Ao sair, deixei em mãos dos nossos agentes oito milhões de esterlinos, que lhe serviram durante a revolta da Armada para pagar o serviço da dívida pontualmente, evitar a intervenção estrangeira, comprar esquadra e vencer.
Em paga disso tudo, tive nove meses de prisão no cubículo nº 36 da Correção.” (RÊGO, 1989, p. 47).
Durante o período em que esteve preso, sua mãe e irmã ficaram sem meios de subsistência.
“Escrevi, então, um bilhete da prisão, que pus no bolso de uma calça suja e que ia para casa, aconselhando que fizessem leilão de tudo que tinha, com exceção de meus livros, para as suas despesas.” (RÊGO, 1989, p. 48).
Serzedello Corrêa enfrentou momentos de desafio, como a Revolta da Armada, que resultou em sua prisão por nove meses. No entanto, seu compromisso com os ideais republicanos e democráticos permaneceu inabalável, consolidando sua posição como uma figura emblemática na história do Brasil.
Em 1895, Serzedello Corrêa voltou à Câmara dos Deputados representando o Distrito Federal. Posteriormente, foi eleito pelo seu estado natal para as legislaturas de 1895 a 1902, enquanto também ocupava os cargos de secretário do estado do Pará em 1898 e de secretário da Escola Superior de Guerra em 1899. Eleito deputado pelo Mato Grosso para as legislaturas de 1906 a 1908.
O Congresso Nacional, fundamentado na Lei nº 688 de 18 de setembro de 1900, restabeleceu Serzedello Corrêa no Exército como tenente-coronel e na cátedra da Escola Militar. Além disso, por unanimidade, autorizou o pagamento dos valores atrasados que ele tinha direito, já que abdicou voluntariamente dos benefícios financeiros ao retornar ao Exército.
Em 1905, durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906), Serzedello Corrêa foi solidário com a rebelião dos alunos da Escola Militar. Como resultado, foi repreendido publicamente pelo ministro da Guerra, marechal Francisco de Paula Argolo, em um artigo publicado no jornal Correio da Manhã, em 12 de março. A repreensão culminou em sua prisão por cinco dias na fortaleza de São João, seguida de sua transferência para Mato Grosso, de onde posteriormente retornou à capital do país.
Durante o governo de Nilo Peçanha, Serzedello Corrêa exerceu, por 15 meses, as funções de prefeito do Distrito Federal. Nesse período, dedicou-se à urbanização de várias áreas importantes da cidade, incluindo Copacabana, Gávea, Méier, Santa Teresa, Tijuca, São Cristóvão e Vila Isabel. Ele também reestruturou diversos órgãos municipais e criou o Serviço Sanitário da Instrução Pública.
Serzedello Corrêa foi um visionário que idealizou o teleférico do Pão de Açúcar e concluiu as obras do Teatro Municipal. Além disso, criou a Escola de Arte Dramática, a Escola Nilo Peçanha, construiu a praça Floriano Peixoto, reformou os jardins da Quinta da Boa Vista e a Praça Saens Peña.
Paralelamente a suas atividades na administração pública, ele também se dedicou ao magistério. Foi Catedrático de Economia Política na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, influenciando muitas mentes jovens com seu conhecimento.
Após sua gestão como prefeito, Serzedello Corrêa assumiu o comando da 4ª Região de Inspeção Permanente do Exército, sediada em Fortaleza. Em 1912, retornou à Câmara dos Deputados, mais uma vez eleito pelo estado do Pará.
Após uma longa jornada política e administrativa, Serzedello Corrêa encerrou sua carreira pública em 31 de dezembro de 1914, ao se aposentar do serviço público. Faleceu em 5 de junho de 1932, aos 73 anos, deixando um legado de dedicação ao país e ao povo brasileiro.
Serzedello Corrêa foi honrado de várias maneiras ao longo dos anos. Em 1917, a praça situada entre as ruas Siqueira Campos, Hilário de Gouveia e Copacabana recebeu seu nome, perpetuando sua memória no coração do Rio de Janeiro. Em junho de 2008, o Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA) lançou um selo comemorativo em celebração ao sesquicentenário de seu nascimento, destacando sua importância histórica. No mesmo ano, em dezembro, uma iniciativa conjunta do TCE-PA e do Tribunal de Contas da União – TCU resultou na inauguração do Memorial Serzedello Correa, uma homenagem duradoura à sua notável contribuição para o país.

O TCU, no ano de 1959, teve a honra de instituir o prestigioso Prêmio Serzedello Corrêa. Este prêmio foi criado com o objetivo de reconhecer e incentivar a produção acadêmica de qualidade, sendo concedido a autores de monografias que abordam temas relacionados ao funcionamento e à importância do TCU. Em 1992, com o advento da Lei Orgânica do TCU, foi criado um instituto responsável pela realização de concursos públicos e treinamentos, ao qual foi dado o nome da digníssima personalidade.
Serzedello Corrêa, um dos líderes destacados do movimento republicano, foi também um membro proeminente da maçonaria paraense. Como muitos maçons paraenses da época, ele se envolveu ativamente em todas as questões libertárias de seu tempo.
A Biblioteca possui alguns livros de sua autoria em seu acervo. A maioria das obras desse rol são preciosidades da memória viva da Casa, merecendo zelo e preservação. Elas fazem parte do acervo depositário da Biblioteca Ministro Ruben Rosa, que visa salvaguardar o patrimônio bibliográfico do TCU. Devido à sua relevância e singularidade, essas obras não são emprestadas, mas podem ser consultadas localmente com a assistência de um representante qualificado, proporcionando um encontro enriquecedor com nosso legado literário e cultural.
A vida e o legado de Serzedello Corrêa, homem de elevados valores morais e espírito público, refletem a complexidade e os desafios do Brasil durante a transição do Império para a República, bem como os esforços contínuos de modernização e desenvolvimento administrativo do país.
“Um dos republicanos que mais serviços prestaram ao novo regime instituído em 1889, como militar, político de larga visão, ministro, prefeito, parlamentar emérito, financista estudioso e competente. Espírito brilhante, Serzedello Corrêa foi, ao mesmo tempo, homem de rijo caráter e de ideias, sacrificando posições para não prejudicá-las e para não ter de contemporizar com situações dúbias.” (Ata TCU n. 88, sessão ordinária de 8 de junho de 1932).
Ministro Agenor de Roure
Fontes:
BRACK, Carlos Henrique. Curiosidades cariocas: história e estórias do Rio de Janeiro. Disponível em: https://rio-curioso.blogspot.com/2007/09/praa-Serzedello-Corrêa.html. Acesso em: 23 maio 2024.
CUNHA, Paulo Carneiro da; BARATA, Carlos Eduardo de Almeida. Genealogia dos prefeitos do Distrito Federal, XVII: Innocêncio Serzedello Corrêa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, ano 23, n. 23, p. 285-288, 2016. Disponível em: https://www.ihgrj.org.br/uploads/1/3/4/5/1345009/revista_do_ihgrj_23_2016.pdf . Acesso em 28 maio 2024.
HOFFBAUER, Daniela. Inocêncio Serzedelo Correia. 2021. Disponível em: https://mapa.arquivonacional.gov.br/index.php/component/content/article?id=920. Acesso em: 22 maio 2024.
INAUGURADO o Memorial Serzedello Correa. União, Brasília, DF, n. 228. 12 dez. 2008.
MONTEIRO, Elson Luiz Rocha. Maçonaria, poder e sociedade no Pará na segunda metade do século XIX: 1850-1900. 2014. 242 p. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Pará. Disponível em: A MAÇONARIA PARAENSE E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA NO PARÁ (ufpa.br). Acesso em: 22 maio 2024.
RÊGO, Clóvis Morais. Serzedello Corrêa: homem de pensamento. Belém: Cejup, 1989.
TCU participa de lançamento de selo comemorativo. União, Brasília, DF, n. 101. 17 jun. p. 4. 2008.
VITÓRIA, Teresa. Serzedello Corrêa. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CORRÊA,%20Serzedello.pdf. Acesso em: 23 maio 2024.