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Imprensa

Em entrevista, Ana Arraes revisita sua trajetória e alerta para o aumento do desemprego entre mulheres na pandemia

No Dia Internacional da Mulher, a presidente do TCU, Ana Arraes, ressalta a importância da igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Por Secom TCU
08/03/2021

foto 240x180_DESTAQUE_VV.jpgA presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Ana Arraes, ainda não tinha completado 17 anos quando os militares tomaram o poder no Brasil. Seu pai, Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, foi preso após não aceitar renunciar ao mandato. Um episódio daquele início de ditadura militar revela muito da personalidade daquela moça.

Ana estava ajudando os irmãos com deveres da escola, quando soldados armados com metralhadoras invadiram sua casa. Ela conduziu os irmãos para a casa da avó e acompanhou as buscas dos soldados por documentos ou algo que julgassem suspeito em relação a Miguel Arraes.

Os soldados tiraram o que havia nos armários, quando viram duas caixas de uísque e disseram que iam levar. “Não vão levar não”, retrucou, indignada. “Se uísque escocês é comunista, não tem problema: vai para o ralo.” E quebrou as garrafas no banheiro, jogando fora o conteúdo. Sua altivez se revelaria em outros episódios, como na véspera de casamento com o escritor e poeta Maximiano Accioly Campos, um ex-oficial de gabinete de seu pai.

Por mais de uma hora, a presidente conversou com jornalistas da Secretaria de Comunicação do Tribunal e contou essa e outras histórias marcantes de sua trajetória. Neste Dia Internacional da Mulher, Ana Arraes ressalta a importância da igualdade de direitos entre homens e mulheres.

“Já tivemos muitos avanços, mas precisamos apoiar mais as mulheres de baixa renda. Agora, na pandemia, as mulheres estão mais desempregadas”, alerta a ministra. No terceiro trimestre de 2020, o Brasil registrou 8,5 milhões de mulheres a menos na força de trabalho, na comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo dados do IBGE.

Confira abaixo a entrevista com a presidente Ana Arraes, que fala de temas como a admiração pelo legado do pai, as desigualdades de gênero e o aumento de dirigentes mulheres no TCU.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgSeu pai, Miguel Arraes, é um grande nome da política brasileira. Foi deputado estadual, prefeito do Recife, deputado federal e governador do estado de Pernambuco por três vezes. Atuou fortemente pela educação, pela cultura e pela redução das desigualdades sociais e regionais. Quais foram os maiores aprendizados que a senhora teve com ele?

A simplicidade, primeiro, e sua atuação por soluções para reduzir a pobreza do povo. Em vez de ele usar o Banco Nacional da Habitação (BNH) para financiar casas      populares, ele comprava um terreno grande, dividia em lotes, comprava o material e pagava a mão-de-obra ao pessoal que estava sorteado para morar naqueles lugares. Dessa forma, com o valor de cada casa pelo preço do BNH, ele fazia três, e com mais qualidade. Na Prefeitura, urbanizou toda a área do morro e alfabetizou a população com o Movimento de Cultura Popular (MCP). Quando governador, abriu lojas de comida, em todos os municípios, para a população de baixa renda, em que as vendas eram a preço de custo. Elas não eram para dar lucro, e sim para alimentar as pessoas.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgSua mãe, Célia de Souza Leão, faleceu muito jovem, aos 36 anos, quando a senhora tinha somente 13 anos. Que exemplos mais marcantes a senhora guarda da sua mãe?

Ela era uma pessoa que atendia pessoas pobres o dia todo, e atendia bem. Minha mãe participava muito da vida de papai e levava a gente para acompanhar eventos e conhecer a realidade fora de casa. A gente não podia reclamar de nada, porque a gente tinha tudo.

Celia e Miguel Arraes.jpg
Celia e Miguel Arraes

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgÉ verdade que é da família de sua mãe a receita de um famoso bolo pernambucano, o bolo Souza Leão?

Sim! Muito mais gostoso que o bolo de rolo! (risos)

 

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgSeus pais tiveram oito filhos e a senhora é a segunda mais velha. A senhora passou a ter mais responsabilidades na família a partir do falecimento de sua mãe?

Muito mais. A felicidade da gente foi o apoio da família. Não era fácil. Ultrapassamos muitas coisas, mas não ficamos com rancor. Depois que mamãe faleceu, teve a campanha de papai para governador. Ele ganhou, mas houve o golpe militar e a gente ficou sem pai e sem mãe. Uma história marcante é que, quando mamãe estava doente, com câncer, ela estava fazendo exames em um hospital na avenida Paulista, em São Paulo. Meu pai esperava do lado de fora. Aí chegou um armênio, Sana Khan, que um amigo de meu pai disse que ele precisava conhecer. Ele disse para meu pai: “Sua mulher só tem três meses de vida”. No fim, disse: “Tem uma coisa. Você vai sofrer uma punição sem motivo, mas um árabe lhe dará a mão e você vai voltar legislando e dirigindo o Estado”. Ele deu isso por escrito. Algum tempo depois teve o golpe militar, meu pai foi preso, ficou exilado na Argélia por 14 anos e foi governador novamente.

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foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgComo foi essa ruptura na vida de vocês quando os militares tomaram o poder?

A casa da gente era vizinha à da minha avó materna, Carmem. Ela é quem tomava conta da gente, junto com duas tias, Hilda e Odete, e umas empregadas que eram muito amigas nossas, como a Tita. Você podia ir de uma casa para a outra por um portão interno, sem precisar passar pela rua. Com o golpe, a gente sofreu algumas coisas muito desagradáveis. Em casa, o muro era baixo e tinha uma grade. Um dia eu estava ensinando os deveres de meus irmãos, quando vi soldados botando o pé no muro, armando metralhadoras e vindo para dentro de casa. Fiz meus irmãos e a empregada atravessarem o portão para a casa da minha avó e voltei para receber os soldados e ver o que eles iam fazer. Eles tiraram todas as nossas roupas do armário, jogaram no chão e pisaram em cima. Em cima de um armário tinha duas caixas de uísque. Quando viram, disseram que iam levar e eu disse que não iam levar não. Uísque escocês era comunista? Se é comunista, não tem problema, vai para o ralo. Levei para o banheiro e quebrei as garrafas na banheira. Desaforada, né? (risos)

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgEu li uma história que a senhora, aos 17 anos, procurou o general Olímpio Mourão Filho, então comandante-geral do IV Exército, para pedir a presença de seu pai em seu casamento, em agosto de 1964. O Brasil estava sob ditadura militar e seu pai estava preso na Ilha de Fernando de Noronha. O pedido foi atendido e seu casamento ocorreu na capela da Base Aérea do Recife, cercado por soldados armados. Logo após o término da cerimônia, seu pai foi novamente recolhido à prisão. A senhora não teve medo de fazer esse pedido, pouco depois da tomada do poder pelos militares?

Não. Eu disse assim: “General, aqui não está a filha de um preso político. Aqui está a filha que tem o direito de ter seu pai no seu casamento”. Ele disse: “Você tem o jeito da minha filha”. Essa filha dele era brava também (risos). Ele autorizou.

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foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgA senhora começou a estudar Direito em 1993, quando tinha 46 anos e dois filhos, Eduardo e Antônio, de seu casamento com o escritor e poeta Maximiano Accioly Campos. Por que decidiu fazer uma faculdade naquele momento e o que a atraiu no Direito?

Eu sempre fui estudiosa e ganhei muitas medalhas na escola. Essa questão da ditadura militar me desarmou um pouco, me tirou um pouco da energia. Quando os meninos já estavam grandes, eu resolvi fazer faculdade. Fiz vestibular e fiquei em primeiro lugar. Eu me interessei por Direito por causa da justiça. Além disso, o Direito também lhe        dá ampla condição de fazer um concurso, como eu fiz, o TRF da 6ª região, ou de ser profissional liberal. Tem várias coisas que se pode fazer com o conhecimento do                Direito.  Quando decidi fazer faculdade, meus filhos foram solidários. Sempre diziam: “Deixe isso que eu faço. Vá estudar, minha mãe”.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgSeu filho Eduardo (falecido em um acidente de avião em 2014, quando era candidato a presidente da República) também se destacou muito na política nacional. Sua família tem uma atuação bastante forte nesse sentido.

A definição que eu dou à política é que ela é a maior das artes, porque ela lida com o bem comum. É uma forma de participar e de ajudar muita gente a crescer. É essa política que a gente vê desarticulada.

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foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgEm 1991, a senhora se filiou ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), partido pelo qual foi eleita deputada federal em 2006 e reeleita em 2010. Que experiência mais marcante a senhora recorda da atuação como parlamentar?

Quando papai morreu, em 2005, Eduardo me incentivou a me candidatar à Câmara dos Deputados. Fui eleita em 2006 (ano em que o filho Eduardo foi eleito governador de Pernambuco) e reeleita em 2010, com uma das maiores votações do Brasil. Eu trabalhei para os pobres e para assegurar a merenda escolar a adolescentes. Eu estava visitando uma cidade que tinha votado em mim e eu incentivava a produção de alimentos junto a mulheres, porque elas precisam mais de apoio e precisam ser independentes também. Quando cheguei, fiz uma caminhada e alguns adolescentes vieram me pedir para falar com Eduardo para botar merenda para eles, porque só tinha merenda para criança. De lá mesmo eu fui embora para o Palácio do Campo das Princesas (sede do governo de Pernambuco) para falar sobre isso e Eduardo disse que já tinha feito a conta dos recursos que eram necessários. Eu falei: “Pois gaste, que eu vou procurar o governo federal para custear essa despesa para todos os Estados do Brasil”. Fui para a Câmara, procurei se tinha algum projeto de lei sobre o assunto e tinha uma proposta de lei do presidente Lula. Então eu tangi a lei, colocamos para a votação para começar a vigência no ano seguinte, e aí foi instituída a merenda escolar para adolescentes.

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foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgA senhora é a única mulher entre os ministros do TCU. Sua gestão determinou o aumento no número de dirigentes mulheres. Quais os benefícios que a senhora espera desse aumento na representatividade feminina?

A mulher é mais zelosa. Ela normalmente não se atrasa, apesar de a maioria ter filhos e responsabilidades em casa. Mas ela sempre entrega o trabalho pronto no tempo que precisa. Acho que elas têm o direito de ocupar metade da Casa. As mulheres são muito preteridas. O Tribunal de Contas tem mais de 150 anos e eu sou a segunda ministra do TCU (a primeira foi Elvia Castello Branco, que presidiu o TCU em 1994). Você veja que desigualdade. Para formar a nova gestão, eu fiz questão de fazer fifty-fifty entre homens e mulheres.

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foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgO vice-presidente e corregedor do TCU, ministro Bruno Dantas, anunciou, no encerramento do Encontro de Dirigentes, que o TCU vai implantar uma política de combate ao assédio sexual. Qual a importância dessa iniciativa para o Tribunal e para a Administração Pública?

Tem uma importância grande porque dá uma garantia de providências em relação a situações muito desagradáveis, que podem prejudicar a evolução da carreira. Pessoas assediadas ficam traumatizadas.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgA senhora já sentiu preconceito em algum momento de sua carreira por ser mulher?

Não, mas eu também não dou asa, como se diz na minha terra. Fui criada no meio de homens. Eu e meus irmãos somos muito unidos. Normalmente somos uma família mansa no sentido do convívio, da solidariedade, de todas essas atitudes que fazem a vida ser bela.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgQue mulheres representam uma inspiração especial na trajetória da senhora?

Minha avó paterna, Benigna, e materna, Carmem, me marcaram muito. Minha avó Benigna era benigna mesmo. Na casa dela, no Crato (CE), vovó fez uma cozinha onde moradores de rua podiam almoçar e tinha um espaço para eles tomarem banho e lavar roupa. Minha vó dizia que a gente não devia julgar ninguém. Isso me formou, no sentido de construir o meu eu. Ela me ensinou que o perdão é para se dar, compreensão também. Minha avó Carmem cuidou de uma creche perto de Olinda. Mamãe e minhas tias cuidavam de outras creches. Os meninos chegavam, tomavam banho, tomavam café e iam para as aulas. As mães não tinham com quem deixar os filhos. Elas davam esse apoio.

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foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgA senhora nasceu um ano antes da adoção, pela Organização das Nações Unidas (ONU), da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que defende a igualdade dos direitos de homens e de mulheres. No Brasil, quais os principais avanços que a senhora aponta nesse sentido e o que ainda precisa ser feito?

Melhorou muito. Na geração da minha mãe e das minhas tias, elas só podiam ser professoras. Não tinha outra coisa para mulher. Hoje, todo mundo pode fazer o que quiser, o que já é um avanço. Para melhorar, precisa aumentar o apoio a mulheres de baixa renda. Agora na pandemia da Covid, as mulheres estão mais desempregadas, e grande parte delas é chefe de família.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgQue mulheres a senhora gostaria de homenagear de forma especial nesta data?

Todas as mulheres merecem ser homenageadas. As mulheres têm pulso – e um pulso delicado, não de grosseria. Geralmente é com elas que você conta nas situações difíceis e nas situações de alegria. Elas são muito solidárias, e a solidariedade é uma das coisas mais importantes da vida.

foto 240x180_DESTAQUE-04.jpgPara encerrar, a senhora tem alguma mensagem especial que gostaria de compartilhar?

 Eu desejo a todas as mulheres muita garra para viver, muita vontade de vencer e muita alegria, porque alegria ajuda a gente na vida.

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icones-02-02-02.jpgRAIO-X

  • - Ana Lúcia Arraes de Alencar nasceu no Recife (PE), em 28 de julho de 1947
  • - Segunda mais velha de oito filhos de Miguel Arraes e Célia Souza Leão
  • - Viúva de Maximiano Accioly Campos, com quem teve dois filhos: Eduardo e Antônio
  • - Formou-se em Direito, em 1998, pela Universidade Católica de Salvador (BA)
  • - Elegeu-se deputada federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2006, com reeleição em 2010
  • Na Câmara dos Deputados, foi membro titular da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor, da Comissão Especial de Tarifa Social de Energia Elétrica e da Comissão Especial da Reforma Tributária
  • - Indicada, em 2011, pelo Congresso Nacional para ministra do TCU na vaga aberta pela aposentadoria de Ubiratan Aguiar
  • - Assumiu a presidência do TCU em dezembro de 2020.

 

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