Governo federal precisa renovar regulamentação do Passe Livre Interestadual
Auditoria do TCU sobre programa que implementou novo sistema digital para renovações e solicitações do passe livre também aponta exclusão de beneficiários por lacunas no banco de dados
Por Secom
Resumo
· TCU recomendou a renovação da regulamentação do Passe Livre Interestadual.
· Mudança para o modelo digital de solicitação gerou ganhos expressivos, mas pode causar exclusão de possíveis beneficiários por lacunas nos bancos de dados.
O Tribunal de Contas da União (TCU) fez recomendações para que o governo federal tome providências para melhorar a concessão do Passe Livre Interestadual, benefício que permite a pessoas com deficiência carentes gratuidade nas passagens para viajar entre os estados brasileiros. Entre as recomendações estão a renovação de regulamentação e avaliação contínua do Ministério dos Transportes para averiguar se a Agência Nacional de Transportes Terrestres é o melhor órgão para gerir a política pública, assegurando eficiência e economicidade no atendimento ao interesse público.
A decisão foi tomada na sessão plenária do dia 20 de agosto, após os ministros analisarem o processo que avaliou o programa (TC 014.593/2024-6). A auditoria observou quesitos como abrangência, forma de definição de quem pode receber, sistemas utilizados para que as pessoas com deficiência possam pleitear o direito e impactos da implantação do novo sistema digital do Passe Livre.
Apesar das mudanças para o sistema digitalizado, com o objetivo de agilizar a emissão aos beneficiários, o TCU encontrou falhas que podem deixar pessoas que têm o direito ao Passe Livre fora do programa. O relator do processo, ministro Bruno Dantas, lembrou que a mudança de um sistema analógico, onde as pessoas precisavam enviar documentação física, junto com atestado médico e declaração de renda familiar para comprovar a elegibilidade, para um modelo digital, trouxe ganhos expressivos de eficiência administrativa, mas não pode ser avaliado de forma isolada. "A mesma velocidade que desburocratizou a tramitação também revelou um dilema entre eficiência e equidade no acesso", disse o ministro em seu voto.
Bruno Dantas destacou que a implementação do Passe Livre Digital, ocorrida em 8 de julho de 2024, foi feita sem a atualização das regras vigentes, o que gerou contradições na regulamentação e ainda criou uma sobreposição normativa. Além disso, ainda há o risco de deixar pessoas excluídas do benefício por causa das bases utilizadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para o programa.
"Apenas 20% das pessoas com deficiência estão atualmente incluídas no Cadastro Nacional de Inclusão (Cadastro Inclusão), uma das duas bases adotadas pelo novo sistema para comprovar a deficiência. A outra base é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), cuja elegibilidade é restrita a cidadãos com renda familiar per capita até uma quarta parte do salário-mínimo. Segundo dados da Pnad Contínua (IBGE, 2022), cerca de 85% das pessoas com deficiência de baixa renda possuem rendimento acima do limite estabelecido para a concessão do BPC", explicou.
Na prática, isso indica que pessoas com deficiência que não estiverem na base do Cadastro Inclusão e nem receberem o BPC, mas que estariam elegíveis para o benefício, não conseguiriam renovar ou solicitar o Passe Livre.
O TCU também apontou que não é comum que uma agência reguladora, cujas atividades se concentram na regulação e fiscalização do setor, assuma a operacionalização direta de uma política pública, como no caso da gestão do Passe Livre pela ANTT. Porém, entende que o Ministério dos Transportes tenha avaliado os motivos e justificativas para delegar a função à autarquia. Por isso, a recomendação do Tribunal é que o Governo Federal, por meio da pasta, faça avaliações de forma contínua sobre a sustentabilidade institucional de operacionalização do benefício pela agência.
Renovação do sistema
A implementação do sistema digital do Passe Livre, apesar das falhas apontadas, apresentou bons resultados em seu primeiro ano de uso. Desde sua implementação, em 8 de julho de 2024, houve redução do custo mensal do programa de R$ 250 mil para R$ 17 mil, queda na demanda de mão de obra de 45 para apenas três pessoas e aumento do número de benefícios concedidos por mês, que saltou de 13 mil para 30 mil.
Contudo, como ainda existem lacunas que podem prejudicar possíveis beneficiários, a própria ANTT tomou algumas providências buscando solucionar as falhas apontadas, como a permissão para que profissionais de saúde enviem os laudos utilizando login na plataforma Gov.br. "Essa funcionalidade, atualmente usada para comprovar a necessidade de acompanhante, passaria também a servir como alternativa para comprovação da deficiência", explicou o ministro. A autarquia também manteve a exigência de inscrição do beneficiário no Cadastro Único (CadÚnico), utilizado como base para verificação por dezenas de programas sociais, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Tarifa Social de Energia.
Outras recomendações
O TCU ainda recomendou incluir o detalhamento de como é feita a reserva de assentos nos transportes; continuação do uso do CadÚnico como referência para a verificação da condição de pessoa carente, garantindo alinhamento com a legislação atual; e criação de um sistema que avisa ao usuário em caso de cancelamento do benefício, com detalhamento do motivo, de forma a evitar surpresas prejudiciais.
Ano da Pessoa com Deficiência no Controle Externo
A auditoria no sistema do Passe Livre Interestadual se alinha com o contexto de 2025, instituído pelo TCU como Ano da Pessoa com Deficiência no Controle Externo. Tanto o relator quanto o presidente do Tribunal, ministro Vital do Rêgo, relembraram o fato durante a votação. "Este é um trabalho que evidencia a prioridade que esta Corte confere às pautas da inclusão, da acessibilidade e do foco no cidadão", concluiu o presidente.