Finanças Públicas
Na área de finanças públicas, a Constituição Federal, complementada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, conferiu aos Tribunais de Contas atribuições no sentido de zelar pela responsabilidade fiscal, como pressuposto indispensável ao equilíbrio intertemporal das contas públicas, o que tem condão de potencialmente gerar efeitos positivos e duradouros para a toda a sociedade.
De outra banda, a legislação estabeleceu uma série de comandos aos gestores, visando à realização de políticas públicas indispensáveis à sociedade, preservando-se a saúde financeira dos entes nos três níveis da federação, o que implica a necessária relação de equilíbrio entre a execução de despesas públicas e a arrecadação de receitas suficientes para suportá-las.
Com efeito, as normas gerais do Direito Financeiro devem ser obedecidas por todos os entes federativos, o que exige dos gestores locais a estrita observância das regras relacionadas à execução de despesas e à arrecadação de receitas.
Despesas públicas nos municípios
Especificamente no que tange às regras relacionadas às despesas públicas dos municípios, merecem destaque as seguintes:
1) Somente realizar despesas ou assumir obrigações diretas até o limite da autorização orçamentária autorizada no exercício (art. 167, inciso II, da Constituição Federal);
2) Nos oito meses finais de mandato, é vedado contrair obrigação de despesa que não possa ser integralmente cumprida nesse período ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte, sem que haja disponibilidade de caixa suficiente (art. 42, da LRF);
3) Não editar ato que provoque aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do mandato ou que resulte em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo (art. 21, incisos II e III, da LRF – alteração legislativa promovida pela LC 173/2020);
4) Respeitar os limites de despesa com pessoal nos municípios (art. 20, inciso III, da LRF), conforme tabela a seguir:
A Constituição Federal ainda atribuiu ao TCU competência de grande relevância às finanças dos estados e munícipios brasileiros, a de calcular e fixar os coeficientes de participação na distribuição de recursos das repartições tributárias, fiscalizando sua entrega aos beneficiários e acompanhando junto aos órgãos competentes da União, a classificação das receitas que dão origem às repartições.
Ademais, o TCU tem jurisdição em todo o território nacional para fiscalizar a aplicação dos recursos de natureza federal repassados aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para implementação de políticas públicas descentralizadas.
Nesse rumo, merece destaque a fiscalização da aplicação das transferências obrigatórias que constituem despesas próprias da União, a exemplo dos repasses de recursos vinculados ao Sistema Único de Saúde e da complementação do Fundeb, assim como das transferências voluntárias da União em favor dos municípios e da respectiva aplicação dos recursos.
Sobre a realização das transferências voluntárias, vale destacar as principais condicionantes e exigências estabelecidas em lei complementar necessárias ao repasse desses recursos, conforme fixado pela LRF e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias do ente transferidor, como por exemplo:
- Previsão e efetiva arrecadação de todos os impostos da competência constitucional dos municípios (art. 11, parágrafo único, da LRF);
- Cumprimento dos limites de despesas com pessoal (art. 23, § 3º, inciso I, da LRF)
- Comprovação, por parte do beneficiário, de:
–> O que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos à União, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dela recebidos (art. 25, § 1o, inciso IV, alínea “a”, da LRF);
–> O cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde (art. 25, § 1o, inciso IV, alínea “b”, da LRF);
–> A observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal (art. 25, § 1o, inciso IV, alínea “c”, da LRF);
–> No caso da realização transferências voluntárias que visem à realização de despesa de capital, que possui condições orçamentárias para arcar com os gastos dela decorrentes (art. 83, § 2º, da Lei 14.116/2021, LDO da União para o exercício de 2021).
No que se refere à aplicação dos recursos decorrentes de transferências voluntárias, em particular, em relação às regras do Direito Financeiro, é vedado aos municípios: destinar esses recursos ao pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista; e utilizar esses recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada.
Quanto às transferências federais decorrentes de emendas parlamentares impositivas, quando se tratar de emendas individuais, consideradas para fins de mínimo de saúde da União, não podem ser destinadas pelos municípios para pagamento das respectivas despesas com pessoal, conforme disciplinado pelo art. 166, § 10 da Constituição Federal, vedação esta que se sobrepõe à possibilidade prevista no art. 22 da Lei Complementar nº 141/2012.
No que diz respeito à transferência obrigatória da União para a execução das emendas parlamentares impositivas (de Deputados e Senadores), individuais e de bancada de congressistas de um mesmo estado ou do Distrito Federal, o montante não integrará a base de cálculo da receita corrente líquida municipal para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal, tampouco poderão os recursos ser destinados ao pagamento de tais despesas municipais, nos termos do art. 166, § 16 da Constituição Federal.
Convém ainda destacar que a Emenda Constitucional 106/2020 determina que as autorizações de despesas relacionadas ao enfrentamento pandemia de Covid-19 e de seus efeitos sociais e econômicos deverão constar de programações orçamentárias específicas ou contar com marcadores que as identifiquem, comando que deverá ser seguido pelos gestores na União, estado, Distrito Federal e municípios, no que se refere aos recursos federais repassados pela União, para o combate à pandemia.
Arrecadação de receitas tributárias nos municípios
Para suportar os gastos com a realização de políticas públicas de interesse de toda a sociedade, a Constituição Federal de 1988 atribuiu competência tributária às três esferas: federal, estadual e municipal. Cabe mencionar que são três os impostos de competência municipal: imposto predial e territorial urbano (IPTU), imposto sobre transmissão de bens inter vivos (ITBI), imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS).
Atualmente, grande parte dos municípios depende fortemente de transferências federais e estaduais para sua sobrevivência. Recente decisão do TCU (Acórdão 2.538/2019-Segunda Câmara, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz) aponta que a média de receita de geração própria municipal sobre o total de recursos disponíveis é de apenas 36%.
A situação é agravada pelo fato de que alguns municípios sequer cobram qualquer tipo de tributo de sua competência. Dados do IBGE revelam que cerca de 7% dos municípios não cobram nenhum tributo. Dentre esses, 97% possuem menos de cinquenta mil habitantes.
Além disso, algumas prefeituras possuem dificuldades para realizar cobrança e fiscalizar os tributos de sua competência e muitas vezes concedem isenções tributárias como meio de tentar incentivar a economia local, reduzindo a arrecadação tributária. Nesse sentido, à guisa de exemplo, expõem-se a seguir dados do IBGE e da Receita Federal do Brasil, que ilustram esse cenário:
- Cerca de 5% das prefeituras não realizam a cobrança do IPTU e, entre aquelas que realizam, apenas 53% atualizaram sua planta genérica de valores, base de cálculo desse tributo, nos últimos 10 anos;
- Cerca de 3% dos municípios não cobram o ISS e, entre os que cobram, em torno de 12% não possuem um cadastro informatizado para realizar a cobrança dessa exação;
- Cerca de 37% das prefeituras optam conceder isenção de IPTU como mecanismo de incentivo à implantação de empreendimentos, enquanto 17% opta por conceder isenção de ISS para incentivar investimentos locais;
- Segundo a Receita Federal do Brasil, a quantidade de prefeituras que já possuíram ou possuem convênio com a União para efeitos de fiscalização e cobrança do ITR é de somente 36% das municipalidades brasileiras. Entretanto, quando o ente municipal opta por fiscalizar e cobrar esse tributo, originalmente de competência federal, o montante arrecadado a título de ITR é carreado integralmente ao município, e não apenas em 50%, caso não exerça essa opção.
Entretanto, tendo em vista a grande dependência de recursos externos e a necessidade cada vez maior de serviços públicos de qualidade, é importante que o município institua e faça a cobrança dos tributos de sua competência, inclusive aproveitando a oportunidade de dobrar sua receita com o ITR por meio da celebração de um convênio com a RFB.
Além disso, cabe relembrar que a LRF, no seu art. 11, estabelece que a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal. O parágrafo único do mesmo artigo veda a realização de transferências voluntárias para o ente que não observar tais requisitos, no que se refere aos impostos.
Trabalhos Realizados
TC 017.311/2016-0, de relatoria da ministra Ana Arraes
TC 003.365/2017-4, de relatoria do ministro José Múcio Monteiro
Jurisprudência Selecionada
1) Jurisprudência do TCU diretamente relacionada aos municípios:
• Acórdão 1.235/2017-TCU-Plenário (TC 002.123/2020-7, de relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues) – Verificação do atendimento a condicionantes impostas pela legislação federal, em especial pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e pela Lei 4.320/1964, com vistas a garantir a boa e regular gestão dos recursos federais recebidos por intermédio de transferências voluntárias por parte de alguns entes da Federação.
• Acórdão 2.186/2013-TCU-Plenário (TC 001.362/2009-8, de relatoria do ministro Valmir Campelo) – Levantamento sobre as ações no âmbito do Poder Executivo Federal para acompanhamento dos haveres da União com os entes da federação.
• Acórdão 445/2009-TCU-Plenário (TC 013.036/2012-2, de Walton Alencar Rodrigues) – Consulta sobre a necessidade de o ente público localizado em faixa de fronteira estar adimplente junto ao SIAFI/CAUC, no item destinado a comprovar a regularidade na prestação de contas com os convênios anteriormente celebrados para que possa receber novos recursos públicos federais. Nesse sentido, o TCU respondeu ao consulente que:
9.2.1. as situações de inadimplência, objeto de registro no SIAFI/CAUC, não são suficientes para impedir o recebimento pelos entes federados de recursos financeiros de natureza obrigatória por parte da União;
2) Jurisprudência relacionada às normas gerais de finanças públicas:
• Acórdão 2.354/2007-TCU-Plenário (TC 013.036/2012-2, de relatoria do ministro Ubiratan Aguiar) – Firmar entendimento no sentido de que o art. 42 da Lei Complementar nº 101/2000 aplica-se aos titulares de todos os poderes e órgãos com autonomia administrativo-orçamentário-financeira (ou poder de autogoverno) garantida nos termos da Constituição, independentemente do período do mandato do respectivo titular à frente da gestão do órgão, que, no âmbito do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas da União, é definido, em geral, por meio dos respectivos regimentos, e deve ser aplicado em conjunto com os princípios norteadores do orçamento, em especial o da anualidade previsto no § 5º do art. 165 da Constituição e arts. 34 e 35 da Lei nº 4.320/1964, limitada a sua abrangência ao encerramento do exercício em 31 de dezembro;
• Acórdão 2.198/2020-TCU-Plenário (TC 012.691/2018-6, de relatoria do ministro Vital do Rêgo) – Firmar entendimento no sentido de que, considerando o disposto no art. 167, inciso II, da Constituição da República, do art. 113 do ADCT, assim como a regulamentação prevista nos arts. 14 a 16 da Lei Complementar 101/2000, as leis e demais normativos que instituírem benefícios tributários e outros que tenham o potencial de impactar as metas fiscais somente podem ser aplicadas se forem satisfeitas as condicionantes constitucionais e legais mencionadas;
• Acórdão 937/2019-TCU-Plenário (TC 007.142/2018-8, de relatoria do ministro Vital do Rêgo) – Firmar entendimento no sentido de que, para fins de aplicação de regras de finanças públicas, a conceituação de empresa estatal federal dependente é aquela tratada no art. 2º, inciso III, da LRF, cuja dependência resta caracterizada pela utilização de aportes de recursos da União para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, desde que, neste último caso, os recursos não sejam provenientes do aumento da participação acionária da União na respectiva estatal;
• Acórdão 1.640/2003-TCU-Plenário (TC 016.991/2003-0, de relatoria do ministro Ubiratan Aguiar) – Esclarecer que não se aplicam as sanções de suspensão de transferências voluntárias a que se refere o art. 25, § 3º, da Lei Complementar nº 101/2000 às ações financiadas com recursos provenientes do Fundo Nacional de Segurança Pública, instituído pela Lei nº 10.201/2001, com exceção, apenas, da regra prevista pela Constituição Federal, em seu art. 167, inciso X, segundo a qual é vedada a transferência voluntária de recursos para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
• Acórdão 1.907/2019-TCU-Plenário (TC 039.853/2018-7, de relatoria do ministro Raimundo Carreiro) – Consulta sobre sem a devida adequação orçamentária e financeira, e em inobservância ao que determina a legislação vigente. Nesse sentido, o TCU respondeu ao consulente que:
9.1. responder ao consulente que medidas legislativas que forem aprovadas sem a devida adequação orçamentária e financeira, e em inobservância ao que determina a legislação vigente, especialmente o art. 167 da Constituição Federal, o art. 113 do ADCT, os arts. 15, 16 e 17 da LRF, e os dispositivos pertinentes da LDO em vigor, somente podem ser aplicadas se forem satisfeitos os requisitos previstos na citada legislação;
Fontes de consulta à jurisprudência do TCU
Publicações Institucionais
Finanças Públicas
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