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Fiscobras 25 ANOS: o futuro da fiscalização de obras
Apenas nos últimos dez anos o Plano Anual de Fiscalização de Obras Públicas do Tribunal de Contas da União (Fiscobras) auditou 1.040 obras, envolvendo R$ 285,5 bilhões. O benefício estimado ao erário chega a R$ 16,3 bilhões. Os resultados nascem de muito trabalho, dedicação e de uma constante evolução das abordagens e metodologias aplicadas pelo Tribunal. Mas o que virá a partir de agora? A última matéria da série Fiscobras 25 anos fala um pouco sobre as perspectivas para a fiscalização de obras pela Corte de Contas.
No começo do Fiscobras, a primeira grande transformação foi considerar as especificidades da despesa auditada, isso porque as obras públicas têm particularidades bem distintas daquelas relativas à aquisição de um equipamento ou à contratação de serviços de pessoal para limpeza, por exemplo. Uma obra exige um grau de maturidade em seu desenvolvimento que demanda conhecimento especializado e tempo.
O coordenador-geral de Controle Externo de Infraestrutura (Coinfra), Manoel Moreira de Souza Neto, esclarece que, em sua visão, há três pontos fundamentais que inserem as obras públicas em um contexto distinto daquele de uma compra comum: (1) geralmente são objetos de grande valor agregado, que consomem muito recurso público, (2) requerem conhecimento especializado de domínio de poucos e, consequentemente, (3) é uma área muito sujeita a riscos de ineficiência, fraude e corrupção.
A obra pode até ser pequena, uma escola, mas, para o município, o valor do recurso empregado é alto. “Qualquer pequena obra hoje custa no patamar de milhão de reais. Então, pelo volume de recursos e pela complexidade, a sociedade precisa do controle externo para servir de lupa para enxergar o que é a obra, quais os grandes elementos que a constituem em termos de valor e de qualidade.”
Outra questão é o tempo de maturação, pois há obras que perpassam governos e, se há ineficiência e corrupção, geralmente elas se perpetuam. Existe, também, o risco de paralisação. “Você não projeta, implementa e entrega para a sociedade uma obra em um ano. É muito raro. A maioria das obras tem regime plurianual. E isso traz complexidades ao nosso processo de alinhamento do planejamento técnico (estudos e projetos) com a gestão orçamentária nas leis de orçamentos anuais.”
Todo essa conjuntura comprova a necessidade de se ter um controle externo que fiscalize e, também, consiga traduzir essas peculiaridades, fortalecendo a transparência. E é exatamente isso que o Fiscobras vem desenvolvendo há 25 anos. “Começaram a traduzir, para o próprio TCU em um primeiro momento, o que estava acontecendo em uma determinada obra pública; em um segundo momento, para a sociedade; e em um terceiro, para o Congresso, que demandou o Tribunal para que as fiscalizações fossem feitas anualmente, dando origem ao Fiscobras”, reforça Manoel.
Equipe multidisciplinar
A Corte de Contas viu a necessidade não apenas de se especializar em obra pública, mas também em nichos de obras públicas, pois cada uma tem características bem próprias. “Começamos a entrar em uma camada de controle que ninguém tinha entrado e descortinamos muitos problemas.”
Maior a especialização, muito maior a expectativa sobre o controle externo. Graves problemas encontrados em grandes obras públicas 25 anos atrás são menos recorrentes, porém outros, mais intrincados, persistem, reforçando a importância de o Tribunal ter equipes multidisciplinares e desenvolver novas abordagens e métodos de fiscalização. “Os problemas ainda são grandes, trazem prejuízos, dificuldades, mas estão em uma camada muito mais refinada, complexa.”
Atualmente, o TCU conta com equipes especializadas em cada setor da infraestrutura fiscalizado: rodovias, aviação, ferrovias, portos, óleo e gás, energia elétrica, mobilidade urbana, saneamento, habitação, telecomunicações, mineração e obras hídricas. São mais de 250 auditores, com conhecimentos multidisciplinares, atuando nessas equipes.
Em constante transformação: análise do custo-benefício de infraestrutura
Com o aprimoramento, foi preciso acrescentar novas formas de lidar com o tema obras públicas. Era importante continuar agindo na fase de execução das obras, mas foi detectada a necessidade de atuar em todo o ciclo de vida da obra, que vai do estudo básico de viabilidade à operacionalização. “No início, nossa abordagem era muito de conformidade da execução do contrato. Mas começamos a perceber que 90% dos problemas que encontramos na execução têm uma raiz única lá na fase de concepção mal pensada, estudada e gerida, o que, necessariamente, conduz a um problema na execução contratual.”
Ano a ano, as auditorias passaram a avaliar o projeto e, em alguns casos, o estudo de viabilidade das obras. Para Manoel Moreira, ainda é pouco. Por isso, o foco já é a análise do custo-benefício dos projetos. “A gente tem que entrar antes mesmo do estudo de viabilidade. Temos de entrar na discussão de qual o trade-off. Temos pouco recurso e muita necessidade. Onde vamos alocar recurso, tempo e dinheiro: naquilo que é mais importante e traz maior produtividade e maior bem-estar social e econômico para a população? Parece que sim. Essa é uma abordagem muito importante que queremos incrementar no Fiscobras de agora em diante.”
Para tanto, além de o controle ter que chegar bem antes do início do projeto e da execução da obra, será necessário ter uma visão sistêmica do portifólio de possíveis investimentos em obras públicas. Isso demandará uma transformação na forma de atuar por parte do controle.
E as mudanças já começaram. A 26ª edição do Fiscobras, a ser entregue este ano, passou por uma reformulação: além das tradicionais auditorias de conformidade em uma lista de obras selecionadas com base em critérios de materialidade, risco e relevância, serão entregues ao Congresso mais dois produtos: análise sobre o panorama das obras públicas financiadas com recursos federais e análise sobre a seleção e priorização de projetos de investimentos em obras públicas com recursos federais.
Portanto, traz duas abordagens, uma de conformidade, que avalia a economicidade e a legalidade dos objetos fiscalizados, segundo os padrões de auditoria de conformidade internacionais – tradicionalmente usados no Fiscobras e que são o cerne da lista entregue anualmente ao Congresso; e uma operacional.
O objetivo na operacional é falar da priorização do gasto público. É analisar se há avaliação mínima de custo-benefício, considerando o tempo e os recursos necessários para executar o projeto, sua operação e manutenção, seus benefícios e alinhamento com as políticas públicas. “Se vamos diretamente à execução, identificamos problema de sobrepreço, de superfaturamento, de reequilíbrio econômico-financeiro sem base legal e de projeto ruim, mas às vezes percebemos que, se bem analisada na etapa de concepção e viabilidade, sequer aquela obra deveria ter avançado para outras etapas.”
Outra mudança esperada é manter um acompanhamento contínuo das principais obras públicas do país. Com esse olhar, não mais se terá apenas informações sobre momentos da obra, mas seu todo. “Ao invés de trazermos fotografias de uma obra, queremos trazer o filme dela. Esse filme é o mais importante que podemos entregar hoje, principalmente, se agregarmos ferramentas de tecnologia ao controle.”
Novas visões para o Fiscobras
Ocupar-se mais desse filme e menos da fotografia, como diz Manoel, considerando o filme do início ao fim, requer um fator fundamental nos dias de hoje, tecnologia, e mais uma mudança de abordagem. O Tribunal tem atuado sistematicamente na perspectiva da conformidade quanto às obras públicas, olhando os detalhes, cujo foco deve ser as obras de grande risco. “Para alguns projetos, será importante a gente mostrar o filme completo com auditoria, com escopo bastante aprofundado, muito fino, em cada etapa. As grandes obras representam boa parte do investimento público e devemos continuar com essa abordagem. Contudo, há uma miríade de pequenas obras públicas espalhadas sobre as quais também queremos mostrar esse filme, contudo, com uma visão mais geral.”
Nessa nova abordagem, a meta é dar transparência sobre o maior número possível de obras, aumentando a amplitude do olhar sobre as obras públicas. Segundo o último levantamento do TCU, atualmente o Brasil tem 37 mil contratos de obras públicas com recursos federais, tudo sob a jurisdição do Tribunal. “Os recursos do controle são limitados. Nesse imenso universo de obras públicas, as obras sobre as quais emitiremos parecer quanto à legalidade e à economicidade, em detalhes, para fornecer a lista ao Congresso Nacional, têm de ser muito bem-selecionadas, geralmente grandes obras, as de maior risco”, explica.
A questão é: se todo o TCU se voltasse apenas às obras públicas e 500 fossem fiscalizadas, ainda restariam 36,5 mil. E o que está ocorrendo com essas obras? O Fiscobras agora quer acessar esses 37 mil contratos, sem a pretensão de auditar obra a obra, especialmente, com visitas in loco. Assim, entram em campo as fiscalizações sistêmicas e com base em riscos transversais. Um dos exemplos práticos é a atuação do Tribunal sobre as obras paralisadas. “Temos fiscalizações operacionais avaliando esse problema no país e levantamos 14 mil obras paralisadas, quais seus principais gargalos e o motivo da paralisação, e elaboramos um diagnóstico”, informa.
O próximo passo, segundo Manoel, será aprofundar ainda mais esse diagnóstico, realizar avalições operacionais mais detalhadas para caracterizar com precisão as causas raízes dos problemas e identificar os responsáveis por solucionar e dar encaminhamento precisos para contribuir com a solução. “Tudo isso sem deixar de lado os aspectos de conformidade, que deverão ser mantidos e integrados a essas avaliações mais sistêmicas, utilizando alguns recortes temáticos.”
Portanto, de todos os contratos em andamento no país, a ideia é fazer um recorte temático e avaliar, tanto com trabalhos operacionais quanto de conformidade, os aspectos transversais de maior risco. Manoel cita o exemplo dos reequilíbrios econômico-financeiros de obras públicas que vêm ocorrendo neste momento no Brasil em face dos potenciais impactos da pandemia, guerra Rússia-Ucrânia, crise e demais reflexos na economia. “Uma abordagem de auditoria bem-interessante seria fazer o recorte temático para avaliar os pedidos e as concessões de reequilíbrio financeiro em um universo abrangente de obras. Há pedido de reequilíbrio? Qual o valor e o impacto no contrato? Como a administração pública está lidando com isso? Quais os desafios?”. Segundo ele, seria possível sistematizar essas informações e apresentar um relatório para o TCU entender qual o grande problema relacionado a essa questão.
A evolução desse trabalho sistêmico se dará ano a ano, em uma abordagem incremental. Em um ano, faz-se o diagnóstico; no outro, ele é aprofundado, com testes substantivos. “Só a título de exemplo, para o Fiscobras 2023, a ideia é que, das 14 mil obras paralisadas, nós tenhamos uma amostra de obras que visitaremos em campo.”
Mas toda essa nova perspectiva depende de muita tecnologia. Por isso, paralelamente ao Fiscobras, está em andamento uma estratégia digital em infraestrutura, em que os pilares são parcerias para compartilhamento de dados e informações com outros órgãos de controle e com o Executivo federal. O passo seguinte será tratar essas informações para serem utilizadas pela inteligência do controle e, em seguida, disponibilizá-las à sociedade, de forma clara, em linguagem acessível.
Ainda para o 26º Fiscobras, o TCU lançará a consolidação de informações sobre fiscalizações de obras públicas que tragam, de maneira visual e objetiva, os principais resultados obtidos. Os painéis serão disponibilizados no Portal TCU e tornarão o acesso e a compreensão das informações mais fáceis ao Congresso Nacional, aos gestores públicos e à sociedade.
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