Especialistas debatem devolução de trechos da Malha Nordeste em evento do TCU
Painel de referência amplia participação de atores externos na construção de solução consensual e confere transparência ao processo decisório
Por Secom
Na quarta-feira (8/10), o Tribunal de Contas da União (TCU) promoveu painel de referência para debater a devolução de trechos da Ferrovia Transnordestina Logística S.A. (FTL). A alternativa foi sugerida durante análise feita pelos membros da Comissão de Solução Consensual (CSC). A realização do painel dá transparência ao processo decisório ao promover o debate entre as partes interessadas, as associações de empresas e usuários de transporte ferroviário e o Ministério Público Federal, além de incentivar a participação cidadã.
A Comissão de Solução Consensual da FTL iniciou as atividades em 9 de julho deste ano e está sendo conduzida pelas unidades do TCU especializadas em solução consensual (SecexConsenso) e fiscalização de infraestrutura (SecexInfra). A CSC é formada, ainda, por representantes do Ministério dos Transportes, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Concessionária. A Advocacia-Geral da União (AGU), a Infra S.A. e o Programa de Parceria de Investimentos da Casa Civil acompanham os trabalhos da Comissão.
O presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, abriu o evento, destacando que a devolução dos trechos ferroviários ultrapassa os limites técnicos e jurídicos de contrato de concessão, infraestrutura e cálculos financeiros; exige olhar atento e equilibrado que considere tanto o ponto de vista do serviço público quanto a necessidade da população local e a sustentabilidade do contrato de concessão. "Essa é uma oportunidade de refletirmos sobre como as decisões tomadas nesse processo impactam diretamente a vida das pessoas, especialmente aquelas que vivem nas regiões afetadas por essa malha ferroviária", ponderou.
O ministro reforçou, ainda, que o impacto social da devolução de trechos ferroviários deve ser considerado nos debates que envolvem a construção de solução consensual sobre a Malha Nordeste.
"Não estamos apenas falando de infraestrutura ou contratos. Estamos falando de pessoas e de como essas decisões podem melhorar a mobilidade urbana, reduzir os impactos ambientais, gerar empregos e promover o desenvolvimento regional. Estamos falando de como podemos transformar um desafio em uma oportunidade e construir um futuro melhor para todos", enfatizou o presidente do TCU.
Para o secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, a agenda da transparência no setor é fundamental, especialmente considerando que o Brasil possui 30.000 km de malha ferroviária que passam por diversos municípios do país.
"Esse tipo de oportunidade é fundamental para dar legitimidade a essa política pública que estamos implementando. O setor de ferrovias bate recorde de investimentos. Quando olhamos para os números, percebemos que estamos em um ciclo de alta de investimentos e precisamos manter esse ciclo de investimentos para que a gente consiga trazer sustentabilidade ambiental, descarbonizar o setor de transporte, promover eficiência econômica para as operações do transporte de cargas e gerar emprego e renda para a sociedade", analisou.
O diretor-geral da ANTT, Guilherme Theo Sampaio, destacou a importância do painel de referência e do encaminhamento das soluções propostas pela Comissão para gerar benefícios para a população das regiões impactadas pela Malha Nordeste. "Vejo uma oportunidade única de uma malha que permeia todo o Nordeste, de poder criar uma solução, um escopo de renovação e otimização, de cálculo, indenização e de mobilidade", frisou.
Conheça as controvérsias analisadas pela CSC
Entenda a devolução de trechos
A Malha Nordeste tem infraestrutura logística de mais de 4.000 km e atravessa sete estados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, sendo responsável pelo transporte de cargas, como combustíveis e grãos que abastecem cidades e movimentam a economia dessas regiões. Apesar disso, apenas cerca de 1.200 km estão em operação, conectando São Luís (MA), Teresina (PI) e Fortaleza (CE). A concessionária argumenta que essa situação foi consequência de uma série de dificuldades enfrentadas ao longo do tempo, como danos causados por questões climáticas, degradação da ferrovia e inviabilidade econômica.

A proposta da FTL é devolver 3.020 km de ferrovia não operacional, retornando esses trechos à União. A devolução do maior trecho se deve à construção de outra malha, mais moderna e eficiente, no mesmo local. Outro trecho se refere a mais de 500 km, que sofreram por questões climáticas como enchentes de grandes proporções, impossibilitando operação ferroviária. O restante da malha é composto por trechos que a Concessionária alega ter recebido em estado de degradação, também impossibilitando a operação.
"Por que estamos solicitando a otimização da concessão e a devolução de trechos? Porque a FTL é o único grupo empresarial que está construindo uma nova ferrovia de R$ 15 bilhões em região similar, que é o Nordeste, porque a malha antiga estava completamente degradada. Tenho convicção de que o melhor para o Nordeste e para o país é entregarmos uma nova ferrovia, que, nos dias 23 e 24 de outubro, deve iniciar os primeiros transportes, começando a operar de forma comissionada em trechos internos, sem exportação, o que é um marco para a ferrovia no Brasil", destacou o diretor-presidente da FTL, Tufi Daher.
Ele ponderou, ainda, que a devolução de trechos ferroviários representa uma forma de resolver problemas que se estendem há anos e prejudicam as cidades da região.
Sugestões da FTL para o uso dos trechos devolvidos aos municípios:
- 33 municípios de áreas rurais: a alternativa é por destinações de menor impacto e voltadas à sustentabilidade e à preservação de características ecológicas. Por exemplo, programa de "vias verdes", utilizando a faixa de domínio para caminhadas, ciclovias, corredores ecológicos e turismo voltado a cavalgada.
- 131 municípios de área urbana com menos de 200 mil habitantes: a destinação é para projetos comunitários voltados a lazer e mobilidade ativa. Como exemplos, podem ser feitos parques lineares e ciclovias estruturantes.
- 8 municípios de área urbana com população entre 201 mil e 500 mil habitantes: a ideia é investir em transporte público de qualidade. Por exemplo, implementar BRT (transporte rápido por ônibus) ou VLT (veículo leve sobre trilhos).
- 6 municípios com mais de 500 mil habitantes: a opção é investir em mobilidade urbana. Construir trens de subúrbio, ligando regiões metropolitanas ao centro, ou realizar o desenvolvimento orientado ao transporte (DOT), que é a exploração imobiliária na faixa antes ocupada pelos trilhos dos trens.

O que dizem os especialistas?
Ribeiro detalhou a racionalidade econômica da devolução de trechos ferroviários.
"Estamos falando de uma malha de 4.000 km, que passa pelos estados do Piauí, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba. Pega vários estados na região. E, paralelamente a esse processo, o poder público já está destinando soluções disruptivas para esse setor. Vou citar, por exemplo, os trechos que estão sendo devolvidos, no caso da coincidência da ferrovia Nova Transnordestina, ligando Eliseu Martins, Salgueiro a Pecém. São 1.200 km de ferrovias, a maior parte coincidente com a malha antiga da FTL. Não faz sentido, uma vez que vamos ter a ferrovia ao lado, levando em consideração que a entrega está sendo feita pela empresa com uma ferrovia mais qualificada", exemplificou.
Em sua fala, Sampaio explicou que a Comissão tem avaliado premissas jurídicas, técnicas e econômico-financeiras para a solução apresentada. "A FTL é a segunda malha ferroviária de maior extensão que tem subsídio do governo federal, com mais de 4.000 km e passando por sete unidades da federação. Essa proposta tem sido apurada reunião após reunião [durante a Comissão] e vamos ter insumos maiores agora nessa reta final de tomada de decisões. Esperamos, com isso, obter como resultado das discussões a otimização do contrato existente", disse.
Sampaio destacou ainda a importância dos investimentos em mobilidade urbana.
"Temos buscado avançar na elaboração de uma política pública junto ao Ministério e outros órgãos envolvidos no tema ferroviário para retomarmos a situação do transporte de passageiros. Nesse caso, uma das questões envolvidas é a discussão de R$ 3,1 bilhões, ou seja, R$ 1,7 bilhão de reinvestimentos da indenização na própria malha e outras externalidades, com valores significativos de solução de conflitos urbanos e trechos de mobilidade urbana do VLT dos estados em que a malha está sem operação, em Campina Grande (PB) e Arapiraca (AL), que possuem uma externalidade social positiva. E outros R$ 1,4 bilhão que serão usados na malha operacional remanescente para o transporte de cargas e mercadorias. Na questão dos conflitos urbanos, é importante destacar que R$ 275 milhões estão sendo endereçados. Estamos há dois anos da finalização do contrato. Então, o endereçamento que dermos vai solucionar problemas dos próximos 32 anos", enfatizou.
Para o diretor de Infraestrutura Ferroviária do DNIT, Eloi Palma Filho, "caso não seja feita uma destinação para o transporte ferroviário de cargas e pensar em uma destinação - seja ciclovia, seja parques lineares - é pensar no descomissionamento, com a retirada dos trilhos e deixar tudo pronto para futuro uso. Seja qual for a decisão, o Dnit está disponível para fazer seu trabalho. Entendemos que há uma transição até a destinação definitiva".

O auditor especializado em infraestrutura Geovaldo Oliveira, responsável técnico do Tribunal na Comissão de Solução Consensual, demonstrou preocupação com a operacionalização da solução apresentada pela FTL, especialmente pelo aspecto heterogêneo da malha ferroviária, que engloba zonas rurais e urbanas em que vivem comunidades vulneráveis. São trechos em diferentes graus de conservação e faixas de domínio, o que exige do poder público um plano de ação para contemplar as necessidades da população de cada região.
"A devolução não termina no cálculo da indenização. Esse painel é importante para avaliar os efeitos sociais e ambientais que essas soluções vão trazer para o território. Esse é um espaço para ouvir e refletir como coletivo. Estamos devolvendo 3 mil km, temos normativo para isso, mas é preciso que haja uma política pública ou um plano de ação porque cada trecho vai exigir uma operacionalização específica", ponderou.
O secretário de controle externo de solução consensual do TCU, Nicola Khoury, confirmou a preocupação do Tribunal com a execução dos acordos firmados pelas Comissões de Solução Consensual.
"Discutimos hoje como monitorar o cumprimento de todos os acordos. Não basta estar no papel, é importante que haja cumprimento do que foi pactuado no acordo. O Tribunal está muito atento à implementação para gerar benefício ao cidadão. Esse é o foco da atuação do TCU, e o monitoramento é que nos permite ver o benefício sendo gerado", assinalou.
Os procuradores de Justiça do Ministério Público Federal Fernando Martins e Pedro Costa apontaram a importância de planejar a destinação dos trechos a serem devolvidos e frisaram que os objetivos acordados só poderão ser alcançados se houver recursos financeiros para sua execução. Os procuradores destacaram, ainda, que o processo de contas vinculadas deve ser incluído na solução consensual apresentada pela Comissão mediada pelo TCU para garantir transparência, segurança jurídica e eficiência à devolução de trechos ferroviários da Malha Nordeste.
O painel contou, ainda, com a participação do diretor de Planejamento da Infra S.A., Cristiano Giustina, que destacou a elaboração de estudo de viabilidade da Malha Nordeste, com olhar logístico e previsão de conclusão em 2026.
Assista ao painel de referência
Como enxergam as associações ferroviárias?
O presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), Luis Henrique Baldez, demonstrou preocupação com a operacionalização após a devolução dos trechos ferroviários. Segundo ele, é necessária uma política pública que deixe claro se o valor da indenização será pago no momento da devolução ou ao final do contrato de concessão. No caso da última alternativa, o efeito seria nulo, porque não haverá recurso para fazer a operacionalização de determinados trechos da Malha Nordeste.
Baldez apresentou, ainda, sugestão da Anut para estabelecer procedimentos e governança para o processo de devolução.
"O Dnit pode ser o órgão executor de um plano de recuperação que diga o que fazer com a malha devolvida. O Ministério precisa definir as políticas públicas para dar ao Dnit diretrizes para viabilizar os trechos devolvidos. A ANTT pode definir todo o ambiente regulatório do processo que já está feito, no chamamento público. A Infra S.A. pode fazer os estudos para dar a destinação final daquele trecho", especificou.
O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto, destacou a importância de se debaterem alternativas para garantir a lucratividade dos trechos ferroviários que se manterão ativos. Isso será possível se os valores vindos da devolução dos trechos ferroviários forem aplicados no setor.
"Tem que ser um processo de parceria público-privada. Precisamos ter em mente que manter esse trecho ferroviário lucrativo será um grande desafio. Há uma aposta grande no futuro. Achar a porta de saída é fundamental para entender como dar atratividade para ferrovias que não param em pé", finalizou.
Diálogo com a sociedade
A secretária adjunta de Controle Externo do TCU, Tânia Chioato, salientou a importância da participação cidadã como diretriz do Tribunal para gerar benefícios reais para a sociedade brasileira a partir das ações de controle.
"A SecexConsenso vem aprimorando esse processo de solução consensual, buscando alternativas de como envolver o cidadão e considerar efetivamente os impactados nas soluções consensuais para esse processo. Estamos intensificando tal processo através desses painéis, que são realmente inovadores para o Tribunal", destacou.
Analisando a atuação da SecexConsenso desde sua criação, no início de 2023, Khoury apontou a ampliação do diálogo com a sociedade civil como um dos pontos principais do relacionamento da Secretaria com os públicos afetados pelas soluções consensuais.
"Os painéis permitiram que atores externos trouxessem contribuição para o debate da Comissão e modificaram cláusulas de acordo. Exemplo disso foi o ocorrido na Comissão que analisou alternativas para resolver controvérsias do contrato de concessão de transporte ferroviário da Malha Regional Sudeste (MRS)", pontuou.
Conheça as legislações que tratam do tema
Lei 11.483/2007: dispõe sobre a revitalização do setor ferroviário.
Resolução ANTT 4.131/2013: autoriza a Concessionária Ferrovia Centro-Atlântica S.A. - FCA a realizar a desativação e devolução de trechos ferroviários.
Lei 13.448/2017: estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal.
Lei 14.273/2021: dispõe sobre a organização do transporte ferroviário, o uso da infraestrutura ferroviária, os tipos de outorga para a exploração indireta de ferrovias em território nacional, as operações urbanísticas a elas associadas.
IN 01/DNIT de 2025: estabelece novos critérios para o cálculo de indenização de bens ferroviários.
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